O empresário carioca Marcelo Marzola, de 32 anos, se considera bastante versado em computadores, mas isso não o exime de passar apertos tecnológicos. Nos últimos anos, ele já teve vários discos rígidos queimados, e cinco pen drives seus simplesmente pararam de funcionar. Um deles o deixou na mão há dois anos, diante de uma plateia de 200 universitários em São Paulo. O dispositivo que continha a apresentação que Marzola faria simplesmente apagou. Os primeiros instantes foram de pânico. Os seguintes, de alívio. "Eu tinha feito uma cópia em um disco virtual. Acessei o documento pela internet. Foi minha sorte", diz Marzola. O executivo não sabe exatamente onde estava sua apresentação, mas isso pouco importa. A única certeza é que o arquivo estava armazenado em algum servidor do Google pelo mundo - ou, como se diz hoje em dia no mundo da tecnologia, na nuvem.
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A indústria da computação é conhecida por criar jargões de curta vida útil, mas também por sofrer transformações profundas. Tudo indica que a computação nas nuvens, que salvou Marzola de um vexame, representa muito mais do que simplesmente a expressão da vez. A ideia de que a computação vai acontecer cada vez mais remotamente, em grandes parques de servidores interligados pela internet, promete mudar para sempre a maneira de lidar com os computadores.
Os PCs que conhecemos hoje são apenas a mais recente encarnação de uma máquina que nunca parou de mudar. No início dos tempos, o computador ocupava uma sala inteira, custava uma pequena fortuna e era privilégio exclusivo de grandes companhias. Depois vieram os minicomputadores, rapidamente suplantados pelos computadores pessoais - hoje ameaçados pelos smartphones e pelos netbooks, dispositivos de recursos técnicos modestos, mas perfeitamente adequados para a conexão com a internet. Com o movimento em direção à computação nas nuvens, ou cloud computing, no termo em inglês, o computador vai tomar uma nova forma. Ou, mais precisamente, ele vai perder sua forma, se dissolver, se esvaziar - talvez até mesmo desaparecer. O poder de computação será cada vez mais centralizado, ubíquo e invisível. Com a banda larga espalhada pelas ondas do ar e aparelhos simples, muitas vezes dotados apenas de um navegador de internet, será possível acessar qualquer tipo de programa e qualquer tipo de arquivo, de qualquer lugar. Eles estarão rodando no éter, na nuvem. Os recursos de processamento e armazenamento, hoje representados por centenas de milhões de PCs em cima de mesas, vão migrar para enormes centrais de dados, ou data centers, como o que ilustra a página anterior (ao lado). E o mundo digital, mais uma vez, passará por uma profunda mudança. "Os dados seguirão os usuários, e não o contrário", diz Rishi Chandra, gerente sênior de produtos do Google Enterprise.
Como tudo o que diz respeito ao mundo digital, isso significa um negócio potencial enorme. Empresas como Google, Microsoft, IBM, Dell e até mesmo a insuspeita varejista Amazon estão se posicionando para a disputa de um mercado que movimentou 46,4 bilhões de dólares no ano passado e até 2013 deve passar dos 150 bilhões de dólares, segundo o instituto de pesquisas Gartner Group. Todas estão de olho em clientes como a Azul. Quem chega hoje ao check-in da mais nova companhia aérea brasileira nem imagina, mas as informações dos passageiros não estão armazenadas num PC atrás do balcão nem em um servidor no próprio aeroporto. Elas estão a centenas de quilômetros dali, num data center da Symantec, empresa especializada em segurança da informação que também está se aventurando na prestação de serviços na nuvem. Por ser uma empresa nova, que não tem de carregar consigo o peso de ondas tecnológicas do passado, a Azul optou pelo modelo mais extremo de computação na nuvem. Os PCs usados pelos funcionários que prestam atendimento ao público, em lojas ou nos balcões de check-in, são o que se convencionou chamar de terminais burros. Trata-se de máquinas extremamente simples, que acessam um servidor central e têm baixo poder de processamento. Isso representa uma economia de até 35% nos custos de hardware, sem contar a economia com a manutenção: os terminais não exigem atualizações individuais de software nem correm risco de infecção por vírus, apenas para mencionar duas vantagens.
Essa reviravolta no modelo tradicional de computação é comparada pelo jornalista americano Nicholas Carr com o advento das redes públicas de eletricidade. Durante um breve período da Revolução Industrial, as grandes companhias tinham de gerar sua própria energia elétrica, mesmo que essa não fosse sua atividade-fim. Graças a um conjunto de inovações no final do século 19, porém, tudo mudou de forma radical. Linhas de transmissão permitiram separar a geração e o uso da eletricidade. "O que aconteceu com a geração de energia há um século agora acontece com o processamento de informações", escreveu Carr em A Grande Mudança - Reconectando o Mundo, de Thomas Edison ao Google. "Sistemas privados, montados e operados individualmente por empresas, estão sendo suplantados por serviços fornecidos sobre uma rede comum. A computação está virando um serviço, e as equações econômicas que determinam a maneira como vivemos e trabalhamos estão sendo reescritas."
Do lado da infraestrutura, começam a surgir sinais inequívocos da mudança das pequenas centrais de computação privadas para as grandes estações de fornecimento global. Um dos motivos é o mau aproveitamento dos recursos. Estima-se que o típico data center de uma empresa tenha apenas 6% de sua capacidade utilizada, segundo um levantamento da consultoria McKinsey. Empresas como Microsoft e Google estão investindo centenas de milhões de dólares em inovações para levar níveis de eficiência industriais a um tipo de instalação que, em pequena escala, costuma ter doses iguais de planejamento e improviso. A Microsoft deve inaugurar neste ano, nos arredores de Chicago, um data center de 45 000 metros quadrados cujo custo é estimado em 500 milhões de dólares e que vai contar com 400 000 servidores. O Google, de seu lado, foi ainda mais longe. Em vez de usar geradores em seus data centers, a empresa decidiu embutir uma pequena bateria em cada um de seus servidores, projetados e montados pela própria empresa. Além de mais barata, a solução garantiu a elevação dos índices de eficiência energética de 95% para 99%. A varejista Amazon oferece sua estrutura de mais de 100 000 servidores num modelo de aluguel. Basta um cartão de crédito para reservar um espaço no sistema que mantém no ar a maior operação de comércio eletrônico do mundo. A demanda cresceu de repente? Basta aumentar a capacidade contratada. Ficou aquém do esperado? Basta reduzir o tamanho do servidor virtual. Tudo é cobrado por hora de uso, como na conta de luz.
A computação nas nuvens vai transformar a infraestrutura da internet, mas seu impacto não para por aí. Os efeitos na economia serão cada vez mais visíveis, com empresas surgindo na velocidade de um clique. A facilidade do aluguel dos servidores virtuais permite a criação de companhias que existem apenas na internet, como é o caso da brasileira SambaTech, distribuidora de conteúdos digitais. A empresa trafega o equivalente a quase 5 000 DVDs por mês na rede e não comprou nenhum dos cerca de 40 servidores de que precisaria. Seus sistemas rodam em equipamentos alugados nos Estados Unidos e que em menos de 1 minuto preparam os vídeos que serão enviados aos celulares e ao YouTube. "O que permite hoje nosso negócio é o amadurecimento da internet para entregar serviços. Há cerca de cinco anos nossa empresa certamente não existiria", diz Gustavo Caetano, CEO da SambaTech.
As empresas de software também se preparam para o que promete ser a maior transformação da indústria desde seu nascimento, no começo dos anos 80. Software sempre foi vendido como um produto. O cliente compra uma licença de uso, paga um preço fechado e é forçado a pagar por frequentes atualizações - e muitas vezes também pelo serviço especializado para fazer o software funcionar. Com o modelo centralizado, a lógica passa a ser a do aluguel: paga-se uma taxa mensal, e os programas são acessados pela internet, sem nenhum tipo de trabalho extra. O exemplo emblemático é a americana Salesforce.com, de sistemas de relacionamento com clientes. Criada há dez anos, a start-up que se gabava por representar o "fim do software" finalmente começa a enxergar a realização de sua profecia. Desde 2007, a Salesforce dobrou o faturamento, para quase 1 bilhão de dólares, e chegou a 1,5 milhão de usuários. Empresas pequenas e médias ainda são a maioria dos clientes da Salesforce, mas as grandes também já começam a olhar para a nuvem com interesse. As principais iniciativas ainda envolvem nuvens privadas, ou seja, o uso de redes restritas aos funcionários. Mas a General Electric, uma das maiores companhias do mundo, contratou um sistema de gestão da cadeia de suprimentos baseado na web para controlar seus 500 000 fornecedores, espalhados em mais de 100 países, uma babel que gera custos de 50 bilhões de dólares por ano. O andamento das negociações, os contratos, as certificações e outros dados essenciais podem ser acessados de qualquer lugar do mundo: basta um computador conectado à internet. A GE também estuda alternativas para seu correio eletrônico. Entre as opções está até a versão corporativa do Gmail. O serviço de e-mail do Google é oferecido gratuitamente na web (quem paga a conta são os anunciantes), mas existe também uma versão paga para empresas. "Estamos analisando requisitos de segurança e estrutura. Se ele oferecer tudo o que precisamos, por que não?", diz João Lencioni, diretor de tecnologia da GE para a América Latina.
Para muitas empresas, porém, a opção inicial será pela criação de nuvens fechadas, como a que o laboratório Fleury montou para armazenar as imagens de exames realizadas em todas as unidades espalhadas no país. Esse é o cenário mais provável porque, apesar das promessas, as nuvens públicas têm muito a amadurecer. Ainda há um longo caminho a trilhar no que diz respeito às responsabilidades contratuais - e eventualmente legais - que os fornecedores de serviços estarão dispostos a assumir. "Essa é uma condição fundamental para o sucesso da computação em nuvem", diz Reinaldo Roveri, analista da consultoria IDC. Redes mais seguras, capazes de trafegar informações importantes, também são um ponto essencial. Outra dúvida crítica é a criação de padrões de interoperabilidade. A tentação dos grandes fornecedores é criar sistemas fechados que na prática impeçam seus clientes de efetuar uma troca de fornecedor, dada a complexidade da tarefa e os riscos envolvidos. No início de abril, a IBM apresentou um manifesto em favor de padrões únicos, mas a iniciativa foi rejeitada por Microsoft e Amazon, duas empresas-chave na onda da computação em nuvem. "As relações precisarão ser obrigatoriamente mais transparentes", diz Laura DiDio, analista da consultoria Information Technology Intelligence. Mas todas essas dúvidas, cedo ou tarde, serão resolvidas, mesmo que o preço sejam mudanças importantes no jogo de forças da indústria da tecnologia. As nuvens estão se formando no céu - mas a previsão do tempo é animadora.
Por Camila Fusco | 16.04.2009
Revista EXAME
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